britânico atraíram diversas figuras da alta sociedade para sua viagem
inaugural. Houve, entretanto, pouco tempo para aproveitá-las
A Grande Escadaria: símbolo do esplendor do navio, era coberta por painéis de carvalho entalhados com detalhes renascentistas |
Tão superlativo quanto o nome ou as dimensões do titânico transatlântico da White Star Line era o requinte de suas faraônicas instalações, agora lamentavelmente submersas. Cada detalhe foi constituído para impressionar, desde a decoração das suítes da primeira classe até a varanda de treliça de seu restaurante principal. Os operadores também não economizaram no luxo e nas mordomias dos serviços oferecidos: banhos turcos, academias, três bibliotecas, salão de jogos, uma quadra de squash e até mesmo duas orquestras que se revezavam para entreter os passageiros. Não por coincidência, as distintas características do navio atraíram para sua viagem inaugural uma extensa lista de célebres personalidades da society britânica e americana, que desembolsaram estrepitosas quantias que chegavam a até 4.000 dólares por um tíquete de primeira classe.
O conceito de um verdadeiro castelo flutuante foi perseguido à obsessão pela White Star Line e pela Harland & Wolff, de Belfast, construtora do Titanic. Para fazer frente aos famosos Lusitania e Mauretania, da Cunard Line, detentora da Fita Azul, outorgada somente aos navios mais rápidos do planeta, a linha marítima britânica lançou sua tríade de transatlânticos da classe Olympic, do qual o Titanic era o mais majestoso. Entretanto, a velocidade e a potência, obsessão destes tempos, foram preteridas em detrimento do conforto e da grandiloquência. A preocupação com o bem-estar dos passageiros era tanta que, dos cerca de 890 membros da tripulação, mais de 500 eram garçons, cozinheiros e artistas em geral.
Lazer: academia com modernos equipamentos de ginástica; depois, ida ao banho turco |
Assim, puderam ser incluídos no navio os diversos atrativos que sobrepujaram todos os concorrentes em matéria de opulência. Além dos itens de conforto já citados, o maior destaque ficava com a majestosa Grande Escadaria, construção localizada entre a primeira e a segunda chaminé, com entrada pelo convés superior. Medindo 18 metros de altura e cinco de largura, era feita de madeira e representava todo o esplendor que o Titanic deveria reluzir. Sua superfície era coberta por painéis de carvalho entalhados com detalhes renascentistas, ao estilo do mestre Grinling Gibbons. Sobre ela pairava uma belíssima cúpula de cristal e ferro fundido, com discretos ornamentos - como os que se espalhavam por toda a Grande Escadaria - homenageando os titãs da mitologia grega.
Lances do destino - Atraídas pelas novidades, algumas figuras notáveis do jet-set anglo-saxão compraram suas passagens e embarcaram no Titanic. Mas pouco puderam aproveitar todas as benesses oferecidas no transatlântico. Ainda que a maioria dos passageiros da primeira classe tenha sobrevivido (um índice de 60,5%, o maior entre todas as categorias do navio), alguns desses nobres turistas pereceram. É o caso do milionário John Jacob Astor IV (sua esposa Madeleine foi resgatada com vida) e do industrial Benjamin Guggenheim. Outro figurão, o comerciante Isidor Straus, dono da famosa loja de departamentos americana Macy’s, também está no rol das vítimas fatais, assim como sua mulher, Ida. A lista de falecidos inclui ainda o major Archibald Butt, assessor dos presidentes Theodore Roosevelt e William H. Taft, e Thomas Andrews, construtor de navios da Harland & Wolff, que, segundo relatos, recusou-se a ocupar seu assento no bote salva-vidas, procurando ajudar os outros passageiros no momento da tragédia.
Um dos impressionantes corredores: espaços para contato social e banhos de sol |
Dentre as personalidades que escaparam com vida da tragédia estão J. Bruce Ismay, diretor da White Star Line, Helen Churchill Candee, escritora e socialite, a atriz Dorothy Gibson, a milionária do Colorado Margaret Brown e sir Cosmo Duff Gordon e senhora. Mais sorte ainda tiveram o magnata J. P. Morgan - que, por meio de sua International Mercantile Marine Co., financiou a construção do Titanic -, o secretário de Estado americano Robert Bacon e o empresário Milton S. Hershey, da empresa de chocolates homônima. Todos os três tinham a viagem marcada na primeira classe do transatlântico, mas por um motivo ou outro precisaram cancelar a reserva. Por lances do destino, tiveram suas vidas poupadas.
Os projetistas do Titanic tinham discernimento e praticidade, mas eles também tomaram muito cuidado para garantir que todos, desde os passageiros bem de vida até os viajantes mais pobres próximos à casa de máquinas tivessem uma experiência marcante. Eles sabiam que muitos dos passageiros da terceira classe estavam imigrando para os Estados Unidos, e queriam que a travessia fosse um momento memorável que desse a essas pessoas uma sensação de esperança quanto ao que estava por vir em suas novas vidas [fonte: RMS Titanic - em inglês]. Para esse fim, até mesmo as salas da terceira classe eram privadas e fechadas - um mínimo de luxo por si só.
O navio zarpou de seu ponto de lançamento em Belfast para Southampton, Inglaterra, em 3 de abril de 1911. O Titanic pegou seus passageiros em Southampton, e então seguiu para Cherbourg, França, e Queenstown, Irlanda, para recolher o resto. No total, havia 2.208 passageiros e 899 oficiais e membros da tripulação. Entre esses passageiros, 329 eram viajantes da primeira classe, 285 da segunda e 710 da terceira [fonte: Titanic Inquiry Project - em inglês]. A primeira classe consistia principalmente de ricos industriais e suas famílias, entre eles John Jacob Astor IV e até mesmo J.P. Morgan - que foi obrigado a cancelar sua passagem devido a conflitos de negócios. Entre os passageiros da segunda classe estavam homens de negócios e membros do clero (até mesmo um professor e um chofer estavam registrados como viajantes da segunda classe). A terceira classe, ou porão , consistia principalmente de imigrantes europeus.
Existem algumas discrepâncias nos registros de passageiros, devido às viagens canceladas, transferências para outros navios e pelo fato de alguns passageiros e membros da tripulação terem sido simplesmente deixados para trás. Alguns dos passageiros trocaram ou venderam seus bilhetes de embarque, e os nomes dos passageiros alternativos não chegaram a ser registrados. As hoje lendárias histórias de pessoas como os três irmãos Slade, que depois de embriagarem-se nos pubs de Southampton tiveram seus direitos de embarque negados, ou a Sra. Edward W. Bill, que se recusou a embarcar após um pesadelo em que o Titanic afundava, inspiraram a criação de um clube "Simplesmente Perdi" [fonte: Eaton - em inglês]. De acordo com um relato de abril de 1912 no Milwaukee Journal, cerca de 6 mil foram providencialmente salvas do desastre do Titanic após perder o embarque ou mudar seus planos de viagem. O fato de que o navio podia acomodar apenas cerca de 2.500 passageiros mostra que algumas dessas histórias de pessoas que perderam o embarque não são muito confiáveis.
Mas aqueles que embarcaram no Titanic o fizeram a um alto custo. As passagens da primeira classe custavam entre US$ 2.500 e US$ 4.500 (que em valores do mercado atual significam entre US$ 43.860 e US$ 78.950); as passagens da terceira classe podiam ser obtidas por cerca de US$ 35 (US$ 620 atuais) [fonte: Titanic Aquatic]. Se você estivesse disposto a gastar pra valer, poderia conseguir um quarto particular e banheiros semi-particulares.
As acomodações da terceira classe eram relativamente luxuosas, com instalação de esgotos sofisticada (mesmo que houvesse apenas duas banheiras para serem partilhadas entre 700 passageiros da terceira classe) e colchões de verdade, em vez de catres de madeira com montes de palha para se deitar, como costumava ser em outros navios. Os aposentos da terceira classe acomodavam até quatro pessoas, e na maioria dos casos, as acomodações eram partilhadas entre estranhos. Nesses aposentos, as vibrações dos enormes e massivos motores do navio podiam ser sentidas e ouvidas.
Fora esses incômodos, a tripulação do Titanic trabalhava duro para garantir que todos tivessem uma viagem confortável. Além da banda e dos membros no convés e nos departamentos de máquinas e abastecimento (culinária) havia o capitão do navio, Edward John Smith, e Thomas Andrews, o projetista principal do navio. Apesar do registro de navegação destacado de Smith e do navio supostamente inafundável de Andrews, a viagem inaugural do Titanic estava condenada.
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